Pequenos Americanos #08: Saudades


   Acordei naquele dia no meio de uma madrugada de tempestade no meu quarto. E geralmente, quando isso acontecia, não conseguia dormir mais. E isso acontecia porque nessas vezes olhava em volta e me lembrava que não estava em casa. Me recordava de não estar mais no Brasil. E memorava, finalmente que estava a alguns quilômetros do apartamento do Pedrinho. Do Pete.
   E não é que não tivesse superado a maneira como as coisas aconteceram e o que me levou a pedir demissão depois de quatro longos e maravilhosos anos naquele apartamento. Longe disso. Minha decisão continuava sendo a mesma.
   Mas ainda assim, Pete tinha se tornado um filho para mim. Depois de cada dor de cabeça e cada problema que ele me deu, eu achei que tinha finalmente aprendido a ser um bom babá, ou fosse qual fosse o masculino dessa palavra. Depois que o abandonei finalmente percebi que o que aprendi foi a como ser um pai.
   Me deu vontade de ligar por um segundo, só para ter notícias. Mas naquela hora da noite uma ligação certamente não seria bem vinda. Só sei que era difícil imaginar que haveria outra pessoa no meu lugar como babá vivendo coisas como as que eu vivi, enquanto eu não conseguia nem mesmo ter notícias a respeito dele a bastante tempo.
   Mudei o lado da cama e liguei a televisão. O telefone ainda estava estático na minha mão. Mesmo sabendo da hora ainda seria engraçada a reação do Maurício em ser acordado a essa hora. Limpei a lágrima.
   -Eu não acredito, Pete! - As vozes voltaram na minha cabeça. Nesse dia ele tinha aparecido na sala como quem não quer nada. Com algo dentro da calça. E não me refiro ao que os meninos normalmente tem. - O que você fez?
   Descobri que ele esteve na farmácia no dia anterior com a mesada que ganhou do Maurício.
   -Vi na TV que quem coloca isso nas calças ganha liberdade! Mas ainda não consegui voar!
   -Você não fez isso!
   Ele fez. Tinha um absorvente dentro da cueca dele. É sério, tinha mesmo. E eu achando que só precisaria conversar sobre qualquer coisa perto disso dali a alguns anos. E hoje, com crianças incríveis nos EUA, quem poderia imaginar que eu sentiria falta desse caos.
   -Tio...
   A porta abriu. Noah, de pijama, esfregando os olhos.
   -Também tá sem sono?
   -Um pouco! Eu acordei agora a pouco, tive um pesadelo!
   -Ah, nem precisa dizer! Vem cá!
   Levantei o braço e ele se aninhou comigo.
   -Quinze minutos de TV comigo só porque resolveram passar desenho de madrugada no outro canal. - Disse, já pegando o controle. - E depois que você pegar no sono eu te levo para cama, tudo bem?
   -Tá bom! - Disse, já prestando mais atenção no desenho do que em mim.
   Massageei seu ombro por um instante. Era bom ter saudade das pessoas que se foram e deixaram marcas. Mas também era muito bom recordar as pessoas que ainda estão aqui. E recordar que tudo ainda valia a pena!

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