Pequenos Americanos #09: Olha a Boca! - Final


   Assim, nos almoços que se seguiram, quando eu ficava sozinho com os meninos, nós conversávamos sobre o idioma português e sobre coisas do Brasil, programas da TV Local, nossa culinária (e algumas coisas eles conheciam porque as vezes eu tentava cozinhar algo). E então, por mais que isso fizesse com que perdessemos algum tempo falando sobre como foi nosso dia, era legal para o Ollie, e claro, me deu a chance que eu precisava para perguntar.
   -Ollie, já que estou te ajudando a se aproximar da pessoa que você gosta, porque não nos fala sobre ela?
   Ele não sabia ainda que eu a tinha visto naquele dia e já sabia como era. E sobretudo, já sabia que o pai dele jamais ia concordar com aquela relação. Ao contrário, era totalmente compreensível o medo dele em falar sobre essa pessoa. Havia algo nela que seria inesperado para ele.
   -E-eu não tenho nada para falar dela!
   -Sim, você tem! Você vive no sofá trocando mensagens com ela e faz bastante tempo, desde que eu cheguei nessa casa, praticamente! E mesmo assim não sabemos nada sobre ela! Alguma hora vai ter que apresentar ela a sua família, e sobretudo, ao seu pai!
   Ele suou frio. Não era meu plano que ele se sentisse pressionado contra a parede daquela forma. Mas então, respirou fundo.
   -Noah, assunto de adultos, dá um tempinho!
   -Não!
   -O que?
  -Não, eu também quero saber da sua namorada, porque vocês vão ter bebês e eu vou ser tio, e eu vou ajudar a cuidar dos bebês, mas tem que ser alguém legal porque se não os bebês não vão ser legais!
   Alguns segundos de um silencio constrangedor. Bebês com certeza não iam acontecer. Pelo menos não como Noah estava imaginando. Ele então respirou fundo.
   -Eu a conheci na escola. Quase sempre é assim, né? Só que ela... Ela é filha da antiga secretária do papai. É por isso que eu não queria falar sobre isso. É onde a coisa fica estranha. E eu não quero que vocês dois contem nada disso a ninguém!
   -Guardar segredos é o meu Savoir Faire! - Avisei.
   -Seu "sabonete"? - Disse a palavra em português.
   -Pegadinha! Não é em português! - Ri. - "Savoir Faire" é francês para algo como "talento"!
   -Eu não vou contar! - Disse Noah.
   -Obrigado!
   -Desde que...
   -Desde que o que?
   -Você passe mais tempo comigo!
   -Vai me chantagear?
   -Não, Noah, isso é delicado para ele! - Intervi. - É como se ele contasse para todo mundo na sua escola que você tem medo de fogos!
   -Não, isso não!
   Mais alguns segundos. Então Ollie saiu e voltou alguns minutos depois com algo nas mãos que eu tinha até esquecido que ele tinha: Um violão. Em seguida, telefonou para aquela pessoa, e, em vez de dizer alô, ligou o celular no viva voz e o colocou sobre a mesa. Então pegou o violão e começou a cantar e tocar uma música.
   Não era uma música que tivessemos ensaiado, mas que ele descobriu quando falávamos das coisas do Brasil: Outra vez, de Roberto Carlos.

   "Me esqueci de tentar te esquecer,
Resolvi te querer por querer,
Decidi me lembrar quantas vezes
Eu tenha vontade sem nada a perder!"

   Noah e eu não resistimos a bater palmas quando ele terminou. Mas foi então que veio a surpresa que deixou Noah de boca aberta.
   -Isso... Foi lindo! - Disse a pessoa, emocionada ao telefone. - Eu não entendi nada, mas ainda assim, foi lindo!
   -Meu au pair é brasileiro! Ele me inspirou um pouco, eu acho!
   Noah estava sem fala. Havia percebido algo sobre aquela pessoa ao ouvir aquela voz no telefone e ficou mudo por um instante, sem entender muito bem.
   -Agora... Vocês sabem! - Ollie murmurou.
   Em seguida, se retirou para o quarto com celular e violão para falar a sós com a tal pessoa. Era dificil saber o que pensar. Mesmo com qualquer questão, Ollie realmente gostava daquela pessoa. Gostava de verdade. O que seria complicado é explicar aos seus pais.

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